Pelo fim da censura

Leitura: 7 min

Pelo fim da censura

O dia 3 de agosto celebra o fim da censura no Brasil.

Ou seja, neste dia, celebramos o fim da censura da liberdade de expressão, seja intelectual, artística, científica, etc.

E essa data remonta o dia em que foi votada a Constituição de 1988, que pôs fim aos decretos e leis que ainda vigoravam desde a ditadura.

O regime militar, na ditadura, criou órgãos de controle para impedir que escritores, intelectuais, artistas se expressassem. Eram a Divisão de Censura e Diversões Públicas (DCDP), o Conselho Superior de Censura (CSC) e o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).

Esses departamentos agiam dentro e fora da lei. E colaboravam com outros órgãos de governo, como a Polícia do Exército. Desde restrições em textos jornalísticos ou letras de músicas, a torturas dentro dos prédios dos departamentos, que em muitos casos chegaram a mortes e execuções, como a do jornalista Vladimir Herzog, que se tornou símbolo de luta pela liberdade de expressão.

A Constituição, em seu Capítulo I, intitulado “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, no título II, que trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, define essa resolução no inciso IX do Artigo 5º:

“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”

Aqui começa o problema da gente.

Fiz essa intro, toda ajeitadinha, pra que os advogados na sala pudessem me dar valor. Mas agora,

agora é ladeira abaixo.

Em 2016, o jornal alemão Süddeutsche Zeitung publicou uma reportagem onde afirma que os métodos de controle e moderação do Facebook são imprecisos, confusos, complexos e uma tortura para os moderadores. Moderadores que são controlados inclusive para ir e voltar do banheiro.

Essa informação foi dada por Valera Zaicev, para uma outra reportagem, da Vice. Ele trabalhou no Facebook antes da expansão pros terceirizados, que começou em 2016, quando o número de moderadores era de aproximadamente 15 mil pessoas. Hoje não se sabe o número ao certo, mas estima-se que sejam quase 60 mil pessoas, 90% delas, terceirizadas.

E em 2018, o escritório de Dublin pulou de 120 para 800 funcionários terceirizados. Isso fez com que a qualidade do treinamento caísse drasticamente, e os erros começaram a se tornar constantes. Pessoas que ganham mal, os SEGUNDOS controlados, na ida do banheiro ou pausa, um ambiente de trabalho de vigilância, controle, punição e salários baixos, com zero estabilidade, horários inesperados, de plantões que você não controla. Acima de você, supervisores que não contam nada do que sabem, exercem o medo e a hierarquia. possuem agenda oculta, e tem o poder do “Facebook” pra decidir sobre o teu trabalho.

Existe uma “Bíblia”, um livro de normas, que é sempre alterado. Os moderadores só podem ter 2% de erros no mês, e manter 98% de acertos. Isso, na prática, significa errar apenas 4 ou 5 vezes por mês. Se você estiver num dia ruim, e errar tudo, vai passar o resto do mês lutando pra não errar mais, o problema é que você tem chamadas chegando, e tem tempo pra responder. Há funcionários, como Chris Gray, que passou por isso, se demitiu, e hoje sofre de transtorno de estresse pós-traumático.

Quando eles dizem “algorítimo”, estão mentindo. Quem decide são os moderadores, apertados pelos supervisores, que mantém uma lista negativa, cada vez maior, de perfis que sofrem restrições.

Instagram e Facebook usam as mesmas regras, com poucas variações.

Mas é preciso diferenciar as restrições feitas aos conservadores e aos progressistas, tanto quanto é necessário diferenciar fake news de censura a liberdade de expressão.

Um estudo realizado pelo Nieman Lab, mostra que conservadores não são censurados como progressistas são, e o Facebook quer nos fazer pensar que sim, que ele é justo e equânime. Além disso não acontecer, o Facebook tem como um grande cliente a base de conservadores. A suspensão de Trump foi feita depois de 4 anos de estrago, iniciados com a Analytica, Steve Bannon, e a retomada da supremacia branca como poder político. foi APENAS QUANDO O CONGRESSO AMERICANO FOI INVADIDO E ESTEVE A UM PASSO DE SER TOMADO POR MILÍCIAS ARMADAS, num fato ÚNICO na história dos Estados Unidos, que o Facebook bloqueou Trump.

Antes disso, NADA o impedia.

E o Facebook sabia que ele era supremacista e anti-democrático. O Facebook não descobriu isso em janeiro de 2021.

Fake news é mentira, usada pra desestabilizar e disputar poder central. Precisa ser apagada. Censura é o que é feito com pessoas que não propagam fake news. Se você propaga qualquer outra mensagem de apoio aos direitos humanos ou de minorias, e se isso não é fake news, se você for censurado, é errado. Mais que errado,

segundo a Constituição, é vetado. E se o Facebook praticar, é crime.

MAS O FACEBOOK É EMPRESA PRIVADA.

Sim, e bancos também são. Quer algo mais capitalista que banco?

E mesmo assim, bancos não fazem o que querem. Há leis, regulação para as atividades financeiras, há o BACEN, o Banco Central. O Bradesco pode abusar de você, e você pode acionar na justiça.

Mas e o Facebook?

Quem controla o Facebook?

A Coluna de Terça foi criada por mim, todos sabem.

Desde 2016, eu já fui bloqueado umas 40 vezes. Neste momento, hoje, nesta edição, eu estou bloqueado em meus 4 perfis. Há duas semanas, o nosso instagram foi bloqueado.

Nada muda. Reclamo, nada muda.

Mas eu não sou nem a ponta do iceberg. Tentamos falar com Samantha Schmutz, Erica Malunguinho, Manuela Xavier e Mônica Iozzi. E foi o famoso “não obtivemos resposta”, até o fechamento desta edição. Bom, Coluna de Terça não é um veículo importante.

Mas vocês, que são famosos e são bloqueados, tem que valorizar o nosso esforço em jogar luz nisso, porque A IMPRENSA TRADICIONAL NÃO SE IMPORTA. Todos vocês, que trabalham com temas relevantes pra sociedade, deveriam ser os primeiros a priorizar a mídia independente. Porque se a fama de vocês desbloqueia um post ou o perfil, não conte com a tua fama pra sair da lista negativa, ou pra, no futuro, ser banido da rede, o que acontece,

e é o caso de Triscila Oliveira, entrevistada por Cinthia Rocha, e que acompanhamos a seguir. Triscila é mulher, negra, escritora, intelectual e ativista. Seu perfil, @afemme1, foi removido, e fodace. Ficou por isso mesmo. Não adianta marcar dono de instagram, papa, o caralho. Bloqueou, fodace. Ela depende da página pra trabalhar, inclusive. Agências, jornais, marcas, consultam o que ela escreve pra se posicionarem. Ela é uma grande educadora pra sociedade civil, pra juventude. Sua relevância é tanta, que ela é lida por milhões de pessoas pelo quadrinho Os Santos, feito com Leandro Assis.

O Facebook não pode bloquear. Sendo uma empresa privada, que tem impacto na sociedade civil, na política, movimentos e notícias, ela está sob regulação legal. Uma empresa não pode decidir ACIMA da Constituição. E hoje, no dia do fim da censura, a edição 38, no dia 3/ 8, vem dizer com todas as letras que nós não podemos aceitar essa nova versão do DOPS, que agora é global. Aqui, na Argentina, na França, nos Estados Unidos.

A entrevista a seguir foi realizada por Cinthia Rocha, jornalista da CT em Lisboa, com Triscila Oliveira, que teve seu perfil @afemme1 banido pelo Instagram, afetando seu trabalho, sua ação na sociedade e o acesso a informação e conteúdo qualificado.

CT O que rolou que te bloquearam? Qual post ou posts levaram a isso?

Eu repostei um vídeo que tinha direitos autorais de uma empresa de entretenimento, recebi um strike de direitos autorais e deletei o vídeo do meu feed, porém dias depois o Instagram desativou minha conta. Interessante é que se trata de um vídeo viral repostado por vários outros perfis na internet: O namorado surpreendendo a namorada com uma proposta de casamento durante uma sessão de fotos.

CT – Como você se sentiu?

Desespero foi meu primeiro sentimento, pois nesse momento de pandemia e desemprego dependo das contribuições ao trabalho que realizo no perfil para viver. O choque, porém não surpresa com o silenciamento seletivo da plataforma, que remove do feed até mesmo posts que fazem denúncias. Vários ativistas e ciberativistas vêm denunciando bans, bloqueios e desativação de contas.

CT – O que vc acha desses blocks que tão rolando pesado nas redes, esse patrulhamento?

Acho que o Instagram está caminhando para se tornar uma rede de entretenimento, basicamente um shopping center com um espetáculo teatral na praça central. Parece um gradual banimento do meu tipo de perfil, das várias questões que levanto conscientização ali, ainda que de forma simples, direta e mais didática possível.

CT – Sei que seu trabalho, como você ganha a vida, é pelas redes sociais, então, quando vem um block, como você se vira com o trabalho? Esses blocks prejudicam teu trampo, tua grana? Fale para nós um pouco sobre isso.

Prejudicam demais, ainda que o próprio Instagram negue a existência desses bloqueios de alcance, já tive apoios cancelados pois os apoiadores me relataram terem parado de receber meu conteúdo mesmo sendo pessoas que eu “conheço” por serem ativas no engajamento dos posts. Eu vivo num estado de angústia permanente, estudando, pesquisando, criando e curando conteúdo que pode ser boicotado pela rede a qualquer momento, sob a alegação de violar as regras da comunidade, e assim perder as contribuições que pagam as minhas contas, como se os assuntos abordados já não fossem suficientemente difíceis de lidar num país como o brasil que ainda encara justiça social como caridade.

Apoie vozes independentes

Assine a Coluna de Terça

Apoia.se/colunadeterca

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

somos a primeira voz
que você ouve pela manhã.
a última com você na cama.

Siga a CT