O problema é como acaba, não como começa

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A Primeira Guerra Mundial entre Cringes e Tiktoklândia à parte,

uma coisa me preocupou, e não tem a ver com a diferença comportamental entre jovens de 14-24 com os de 25-40 anos.

A questão parece ser café, boleto, acordar às 9 da manhã. Parece ser a diferença entre ler texto e fazer vídeos de 15 segundos.

Não é.

Isso é cortina de fumaça. Espuma.

Num desses domingos de manhã, desci o prédio onde moro, um prédio de 1923 em Lisboa, portanto, muito elegante, parisiano, bonito, delicado, e quando cheguei no rés de chão, em brasileiro: no térreo, ouvi uma música.

Vinha de dentro do apartamento da zeladora, uma senhora portuguesa de seus 86 anos. Magrinha, sempre de avental, cuida do prédio, todos os dias, com calma, um paninho, uma vassoura, e quando passamos por ela, ela lança um olhar distante, que se evapora num sorriso, como se ela levasse alguns minutos pra descer pro mundo, como se estivesse num outro mundo, e vem pra cá.

Ela é sozinha.

Mora nesse prédio, tenho certeza, há décadas. As pessoas da geração dela em Lisboa não são pessoas de muitas posses. Ao conseguirem um teto, nele ficaram. Ela viu Salazar, com certeza, o ditador que impôs mais de 40 anos de repressão em Portugal. Repressão e pobreza. Ela viu a libertação de Portugal, o 25 de Abril. Ela viu Portugal ficar vazio, sem jovens, ela viu Portugal abandonar o Escudo, e entrar pro Euro.

Ela é testemunha da História.

Acho um milagre falarmos uma mesma língua, embora distantes em tantas realidades.

Nesse domingo, uma música vinha do seu apartamento. Era um coral, um coral religioso. Parei na escada e ouvi. Era um coral clássico, católico, cantava um hino para Maria.

A religião, algo tão importante para esta mulher, para este Portugal antigo, o conforto e a memória daqueles tempos mais religiosos se renova pelas ondas do rádio, por onde ela ouve a missa da manhã, o sermão e o coral. Sou protestante, mas tenho profundo respeito pelo sentimento religioso dos velhos, incluindo os católicos. Porque eles não vão mais mudar. É preciso respeitar o sentimento religioso de quem já viu tudo que tinha pra ver. Mesmo que eles não respeitem os protestantes, mas isso é outro assunto.

Fiquei ali, ouvindo por alguns minutos, e saí pra rua, pra comprar pão.

Nós devemos observar a vida dos idosos, porque nós vamos terminar nossa vida como eles. Não existe uma inovação pra velhice. Observe a vida dos velhos, e esteja curioso para conhecer todas as formas de vidas idosas, porque amanhã, uma delas será a sua.

E não tem como escapar disso.

Seu corpo vai ter dores. Limites. Doenças. Um dia, seu corpo não vai mais obedecer aos seus comandos. Seus esforços. Nada. Seu corpo vai morrendo, e você vai percebendo que a alma é uma coisa, o corpo, outra.

E isso não tem a ver com o tipo de tecnologia que você usa. Os celulares serão peças de museu daqui 20 anos. Os aparelhos serão de inserção no corpo, ou de outros formatos, mais anatômicos, mais interventivos no corpo. Então, esse vídeo de 15 segundos que você grava, ele não terá futuro, não mais que o cinema teve, ou o cachorro quente teve.

As coisas são cada vez mais etéreas.

E uma geração inteira se baseia e se define, e se afirma e tem como sua principal identidade, um jovem segurando um celular e dançando.

A BBC publicou uma reportagem em que afirma que essa geração digital é a primeira com MENOS QI QUE OS PAIS. Considere que todas as gerações apresentavam pequenos ou moderados avanços de Qi em relação aos genitores, até agora, em que são registrados retrocessos.

Da reportagem, um trecho:

A Fábrica de Cretinos Digitais.

Este é o título do último livro do neurocientista francês Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França, em que apresenta, com dados concretos e de forma conclusiva, como os dispositivos digitais estão afetando seriamente — e para o mal — o desenvolvimento neural de crianças e jovens.

Simplesmente não há desculpa para o que estamos fazendo com nossos filhos e como estamos colocando em risco seu futuro e desenvolvimento“,

alerta o especialista em entrevista à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.”

Pau no lombo da geração z, mas não é sobre o pau no lombo pelo mero prazer.

Essa geração vai encontrar um mundo com menos recursos naturais e econômicos que os millennials. Nossa geração, x, já encontrou um mundo em colapso. Mas os millenials encontraram o nível mais ultraliberal do mercado que qualquer outra geração antes. Os grandes ricos já estavam definidos. Na minha geração, ainda não. E veja bem, sempre haverá ricos em cada geração. Mas nem todo mundo na minha geração foi Luciano Huck, e nem todo mundo na sua será Juliette do BBB. A grande massa será classe média, cada vez mais pobre.

O maior problema pros millenials e pros z, além da pobreza, é o mercado de trabalho escasso, menos oportunidades, e há um outro problema, esse sim, fatal:

O sistema previdenciário.

Minha geração ainda foi beneficiada por um sistema de previdência que era praticamente similar ao criado no século passado. Com a reforma da previdência, e das leis do trabalho, que ampliaram o poder dos empresários e tornaram o trabalhador definitivamente dispensável e descartável, e com a crise política e econômica que o Brasil vive hoje, tudo isso vai ter consequências daqui a 30 anos.

O tempo de uma geração. Todas as mudanças previdenciárias são feitas pensando no tempo de uma geração, portanto, as gerações millenials e z vão sentir o peso da pobreza e do desalento, isso não será mudado em uma geração, isso é líquido e certo.

Isso significa que o Brasil, que daqui 48 anos terá tantos idosos quanto o Japão, e eu já estarei morto, terá um número enorme de idosos, geração z, que não tiveram empregos com carteira assinada, aliás, eles nem saberão o que é isso, muito menos recolher INSS, e portanto, não terão aposentadoria, ou qualquer fundo para a velhice. E a velhice virá. Por mais tecnologia que exista, nada ainda freou essa realidade biológica.

Ou seja,

a geração Z vai se chocar com uma velhice muito pobre, dura, solitária e de abandono.

A colunista Daniela Lazzaroto escreveu no UpDate or Die sobre o empobrecimento e a depressão dos millenials. Apenas pense que, com a geração z, vai ser maior.

Então, a gente que se segure onde puder. E a questão não é como a geração z começa, ou como chega fazendo seu barulho.

Mas sim,

como termina.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

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