ME JOGUE AOS LOBOS, E VOLTAREI LIDERANDO A MATILHA.

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Rapaz, é um festival de prisões criativas.

Nessa semana, foram presos o Gordo do P.U., Macaquinho, Flordelis e o Aposentado Doidera.

Gordo do P.U., Diogo Moura Resende, foi gatilhado no mesmo dia que Macaquinho foi pego debaixo da cama da tia, na Zona Oeste. Gordo, na Maré, já teve: Gordinho do PCC e Gordo do Arará. Negósso de gordo é meio que patente. Ao invés de Tenente da Nova Holanda, é Gordo da Nova Holanda. Jô Soares dizia que “Gordo” serve pra tudo. Ponto de referência na rua, identificação de um desconhecido.

Se Jesus fosse gordo, Judas Iscariotes precisaria beijar, pra mostrar aos soldados quem ele era. Ia estar na cara. É o gordo.

Macaquinho comia o cavalo. Ele tinha um cavalo em casa, e botava no cu do cavalo. Na prisão, a porta do carro da polícia TRAVOU, e o delegado ficou PRESO DENTRO DO CARRO, batendo na porta, e os outros já tinham saído. Loucademia de Polícia.

Mas as prisões de Flordelis e Roberto Jefferson foram as mais bombadas. Dois chorumes políticos, que presos, vão dar mais trabalho que soltos.

Flordelis AUTOGRAFOU, isso mesmo, AUTOGRAFOU exemplares da Bíblia dentro da cadeia, pras outras detentas. Deve ter orado por elas, devem ter chorado, ela se sentiu a Profeta em pessoa.

Cadeia tá cheia de gente precisando de abraço. Flordelis SABE dar abraço. Todos esses anos, ela cresceu na cena se valendo exatamente do espaço vazio nas existências alheias.

Capaz ela criar lá dentro uma comunidade de gente adotada. E vai sair mais forte do que entrou, porque crente só ouve o que quer. Ninguém se importa, ou acredita, nesse meio, que ela tenha matado. Se a Joice acredita que foi outra pessoa que lambeu ela de porrada, porque Flordelis não pode também atribuir ao Pato Donald a morte do Anderson do Carmo?

E Jefferson, tá como mártir dos bolsonaristas. Por causa dele, Bolsonaro tá tramando pro próximo dia 7, tá pedindo impeachment de ministro do STF, tá totalmente descontrolado, e crescendo no caos.

Jefferson sai da cana e é carregado até o Planalto.

Pode guardar a cena. Vai ser isso.

É uma pauta nacional. Mas tá toda no Rio. Já se ligou, que tudo isso tá acontecendo no Rio, do Rio, pro mundo?

A cidade em shamas, incendiando tudo.

A CEIA PASCOAL DE JANAINA

Vocês sabem, Jesus antes de morrer, deu uns comes e bebes.

Maluco era sagitariano, nasceu em dezembro, é tudo mentira, mas a gente embarca.

Sendo fake-sagitarius, gostava da esbórnia e da casa cheia. Como era sagitariano bigode grosso, NÃO TINHA CASA, dava festa na casa DOS OUTROS.

Mas chegava juntão dos comes, e PRINCIPALMENTE DOS BEBES. Primeiro milagre do lymdo foi enchendo três piscina Tony com água e PLIM: tomale Pitú, pro casamento de Isabel Cristina, em Rocha Miranda.

Podia não ter sermão, mas onde Jesus ia, tinha comida e bebida.

VAI VER ATÉ POR ISSO QUE SEGUIAM ELE, porque pensavam se tratar de um promotor da PEPSICO, fazendo degustação de toda a linha de produtos. Pães, biscoito, batata frita, refrigerante, REGADO. Reino de Deus é regado.

Combina, Reino de Deus e barriga vazia?

Nem em vigília da Assembléia em Caxias, lá pelas 3 da manhã, vagabundo varado, cheio de unção, a cantina liberava os risole.

Onde Jesus está, há fartura. A Casa do Senhor é casa de fartura.

Essencialmente é isso: onde o Reino de Deus, desse Deus de Jesus está, não há fome.

Jesus multiplicou pães e peixes pras pessoas que o seguiam, e fez isso porque ele se importava com a humanidade delas, a fome, a dor. Ela não queria converter ninguém a nada, e essa é a primeira diferença entre igreja evangélica e Jesus. Ele queria que as pessoas deixassem seus erros do passado e viessem para uma grande mesa de generosidade e amor, principalmente, fartura. Fartura de abraço, de afeto, de compreensão, compaixão.

Corta pro Brasil, em 2021.

Estamos morrendo.

Sem direito a ceia na noite anterior, porque não tem como comprar gás.

Sem comida, porque o pacote de 5 quilos de arroz já caminha pros 50 reais.

Sem comida porque não tem carne. Sem comida porque não tem comida. A que tem, é arroz quebrado, feijão de resto, milho e osso de boi doado.

Estamos morrendo,

porque tem tiro pra todo lado. Todo lado.

Naturalizamos. Nem tínhamos resolvido um extermínio, veio um genocídio. São camadas de mortes no Brasil. Negros, mulheres, indígenas.

Sabe quando a gente diz: esse comércio vive abrindo e fechando, parece que foi construído em cima do cemitério?

O Brasil.

Construído em cima de um grande cemitério de indígenas e negros. O próprio Museu do Amanhã está sobre um cemitério. Ali, na região do Cais do Valongo, e toda aquela região litoral, ali estão esqueletos de milhares de africanos.

Estamos morrendo de tiro, de fome. Nada disso devia ser natural, ou objeto de texto. Isso não devia existir. Nós vamos ficar marcados na História como o país que destruiu seu próprio povo.

Então, vai pra Cracolândia.

Lá, cerca de 1.200 pessoas circulam nas ruas, dependentes químicas, abandonadas pelo sistema. Odiadas pelo sistema. E quando digo sistema, digo Estado e digo sociedade.

Ninguém gosta de eles. A traficante que vendia pra eles é alçada a celebridade. Gatinha da Craco. Eles, vítimas, são indesejados.

E o padre, o padre Júlio, que nos concede entrevista daqui 3 dias, foi lá, levar o tal do Reino de Deus. Levar fartura, de abraço, de comida, de afeto.

Janaina Pascoal, a louca, poderia ter feito qualquer outra coisa. Ela, que está abraçada a um Cristo de madeira, que não vê, que não anda, que não fala, ela foi reclamar do padre, que está fazendo apenas sua função. Copiar Jesus, abraçar pessoas.

De um lado, o Reino de Deus.

Do outro, os que viram Jesus com sede, na cruz, e deram a ele uma esponja cheia de vinagre.

Janaina, Pascoal.

De Páscoa. De libertação. De última ceia.

Decidiu não convidar ninguém pra mesa, ficar com a comida toda pra ela.

Ela não vai dar conta de toda a comida. Então a comida vai azedar. Apodrecer. E ela vai ficar com tudo. Apodrecendo junto.

Janaina é representa uma variação do vírus do liberalismo.

Os ditos liberais brasileiros, que por incompetência não conseguem sequer reproduzir riqueza, trancam a riqueza que ainda resta. Para eles, multiplicação de riqueza ou é milagre de um Deus capitalista, ou é coisa de comunismo.

Ela não quer as ruas cheias de realidade. Da realidade para qual ela trabalha. Da qual é esparra. Capacho. Onde homens acima dela limpam os pés.

Ela quer as ruas limpas, CUSTE O QUE CUSTAR.

Porque ela não disse o que fazer com essas pessoas. APENAS DISSE QUE ALIMENTAR ESSAS PESSOAS ERA ALIMENTAR O CRIME.

São Paulo, né.

Muitas faces, num mesmo país.

Tem quem monta startup. cercado de clones brancos num roof top na Paulista, há quem passa fome na Vila do João,

CALMA

não, não precisa ser tão longe.

EM FRENTE AO PRÉDIO, NA CALÇADA, onde os sapatênis se reúnem no terraço, na entrada do prédio tem gente passando fome.

Uma das primeiras lições de economia é: a escassez é a base da economia.

A direita brasileira foca nisso. Quanto tudo for mais escasso, pra eles será melhor.

Nada produzem. Partilham a morte.

Fosse vivo, Jesus não ia poder dar de comer a ninguém. A Última Ceia não existiria, pois seria uma festa pra alimentar o crime.

Jesus morreria na cruz, igual. Porque no fundo, pra eles, pobre tem que morrer.

Mas o Deus do Padre Julio não é um Deus de morte.

Viva o Padre Julio.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

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