Entrevista Samantha Schmütz

Leitura: 11 min

Por: Cinthia Rocha, Thais Oliveira e Anderson França

Foto: @weldermm

1. Em qual momento que você, Samantha, começa a se posicionar? Quando você teve a consciência de que precisava usar da voz que alcançou como atriz para reverberar sobre outras coisas que não fazem parte só da realidade da atriz Samantha Schmütz?

Samantha Schmütz: Em primeiro lugar, eu quero agradecer o convite, acho muito importante que pessoas que sintonizam o pensamento estejam juntas e buscando e lutando, sem querer ser clichê, soluções para as coisas que a gente que, no nosso ponto de vista, acha que possa ser consertado, então, é um prazer estar aqui, com pessoas tão inteligentes dando essa entrevista. E assim, na verdade eu começo a me posicionar, sei lá, com 14 anos, quando eu tinha que ir na passeata fora Collor. Então, me lembro de ir, fazer questão de participar e porque primeiro de tudo eu sou uma cidadã, foi o que eu estava falando até no Saia Justa, que é como se fosse o meu prédio, o meu prédio está com uma goteira, eu vou chegar para minha vizinha do 501 e falar: amiga, vamos lá reclamar com o síndico que tem uma goteira ali, tem alguma coisa errada. Então, eu sempre tive essa coisa de tentar, de observar, né? As coisas que estão erradas ou que podem melhorar, e isso já faz parte da minha personalidade. Então, eu sempre também, quando eu vi que o artista, né, poderia juntar essa força, essa voz com arte, né, o cidadão, fazer política através da arte, apontar coisas comportamentais ou causas, isso foi uma coisa, também, muito natural e que eu aproveitei para unir. Então, assim, sempre nos meus personagens, por exemplo, o Juninho Play, né, que é um personagem que me levou, assim, a ficar mais conhecida do grande público, era um apontamento, assim, de um comportamento, que eu não concordava, machista, que eu via muito aqui, sabe? Na galera, os caras são assim mesmo, trata a mulher igual objeto mesmo e pá, e eu achava que, gente! Como é que eu vou zoar isso, apontar, falar que eu não concordo com esse tipo de comportamento? E, então, através dos personagens, eu também, eu sempre pude abordar assuntos. Então, isso pra mim não tem como dissociar, nem da minha pessoa e ainda mais potencializa quando eu sou artista e posso fazer, além né? Como cidadã, usar a minha voz ao meu alcance para acoplar essas coisas. E eu sou, assim, sabe? Eu queria fazer música, tipo, Nação Zumbi, sabe? rapper, eu tenho essa alma rapper assim, de contestar, muito do meu gosto musical vem daí também sabe? Eu acho que o reggae, eu sou apaixonada por reggae, o reggae, tem muita luta na letra, muito lamento, muita reflexão. Então é uma coisa que já vem sempre, assim, especificamente desse governo foi antes da eleição, que eu fui pras ruas, com Paula Lavigne e todas que, desse movimento, sabe? Ele não … eu que fui segurando a faixa na primeira fila. Então, assim, eu fiz de tudo. E então, assim, especificamente do governo foi, porque é um governo que, primeiramente, assim, tem milhões de absurdos, mas eu tenho já, somente um, eu precisaria pra não apoiar, que é, ele não é a favor da cultura. Então, assim não tem como, né?

2. A gente tá falando sobre uma Samantha que a gente tem ouvido muito falar no teu nome esses dias, por conta de que, sua voz ganhou ainda mais força nesse momento, de pandemia e etc., você tem se posicionado muito forte contra tudo isso. As pessoas conhecem, às vezes, primeiro, a Samantha artista e depois a Samantha ativista. Quer dizer, a ativista nasceu antes da artista, começa assim? Entretanto, a gente tá num momento de pandemia, tem sido muito difícil lidar com o patamar que isso chegou né? No mundo todo, mas no Brasil, principalmente, pela forma que tem sido gerenciada isso tudo e a gente tinha ouvido falar ainda mais no nome da Samantha, quer dizer, teve manifestação no último fim de semana, que eu sei que você estava lá, teve outro dia que eu sei que você estava lá também. Então, dentro desse contexto atual, primeiro, como você tem conseguido lidar com as perdas, com a necessidade de continuar falando a respeito disso e levantando a sua voz pra dizer que eu não concordo com isso?

Samantha Schmütz: Porque meio que é tipo assim, gente, que mais a gente tem a perder, né? Eu nunca tive paciência, assim, de passar pano, fazer jogo, de participar dessa, sabe? De não dar opinião, porque pode ficar mal com alguém, ou pode perder coisas e tal. Então assim eu já achava isso um saco. A partir do momento que Paulo Gustavo morre, sabe? Ah, até porque ele era até um dos que me segurava mais, assim, sabe? Tipo, aí, Samantha, para! tipo, tá falando demais! Tá criando muita confusão! Por favor! E eu, tipo, eu até segurava mais a minha onda, quando ele pedia, assim, mas, agora, que ele não tá podendo mais segurar minha onda, acho que ele tá é me ajudando e me dando gás, porque eu acho que ele faria isso, eu acho que ele ia sair transformado, assim, de indignação, porque imagina, o que ele passou, eu nem imagino o que ele passou. Entendeu? Então, assim, eu sei de textos, de mensagens dele, que ele falou, cara, eu vou transformar essa luta, mas é uma luta minha, entendeu? Então, parece que ele passou pra mim, talvez eu tenha herdado isso mesmo de forma inconsciente, sabe?

Como era sua relação com Paulo? Como foi antes e quando ele morreu?

Samantha Schmütz: Assim, foi muito difícil de acreditar que poderia uma tragédia dessa acontecer com ele, porque ele era pura vida, ele era pura alegria, amava viver, tipo, fazia tudo o que queria, dois filhos pequenos. Então, assim, foi um medo, assim, né? Eu acho que o que eu mais senti foi medo, eu tinha esperança, eu rezava todos os dias, eu assim, todo exercício que eu fazia na minha vida, assim, era, foi engraçado até porque no dia que eu soube que ele foi pra UTI, eu fui correr e fui nadar e eu só pensei assim, cara! Todo o benefício que eu tiver hoje, passa pra ele, passa pra ele, falava assim, toda hora que eu ia nadar, todo exercício que eu fiz nesse dia, passa pra ele, depois também, mas esse dia foi muito curioso, até porque eu fiz isso, de noite eu caí doente, e eu, assim, eu não fico doente. É muito raro assim, é raro, sabe? Então eu comecei com uma tosse assim, eu falei, gente! Olha! Eu acho que eu dei energia demais, mas tudo bem, se precisar dividir um pouquinho do meu pulmão, com você, pra você curar, é isso aí. Eu fiquei dez dias, assim, tipo, com uma tosse que eu nunca tive, só com, sei lá, com nove anos, sabe? Minha mãe passava Vick Vaporub aquela pomada pra tosse de criança, mas eu nunca fiquei dez dias assim. E, mas ao mesmo tempo fazendo esse mantra, essa energia, assim de tipo cara, o alimento que eu comer, dividi com ele, comecei dar força, comecei a ficar tipo, realmente, tentando fazer energeticamente, né? Essa hora, a gente vai em tudo, né? A gente vai na macumba, a gente vai no evangelho a gente apela pra todos os santos. Eu conversei com a árvore, com a praia, com Iemanjá, com todo mundo. Então, assim, mas o sentimento é de pavor mesmo, né? É o pior sentimento, alguém que você ama numa cama sem saber o que vai acontecer.

3. Como é esse sentimento aí no Brasil hoje e o pior, o que vocês veem no horizonte? Para onde é que isso está caminhando hoje, com essa gestão?

Samantha Schmütz: Eu acho que tem, eu acho que, assim, eu encontrei muito eco, sabe? Muita gente também vendo do jeito, de um jeito parecido comigo, assim, né? E do tipo não dá pra ser vida que segue, não dá pra fazer um texto hoje, ai, ai, Deus quis assim, vida que segue! gratiluz! Não! E eu acho que, assim, estava todo mundo também vendo isso, mas como eu sou de dentro da história, olha, tô vendo também, assim, deu uma força tipo assim, caraca! Então, assim, tem gente que tá dentro, também, que tá vendo essa inércia e vendo isso, isso encorajou muitas pessoas. Então, assim, na passeata, eu vejo que muita gente, eu, eu fiquei arrepiada, emocionada, porque tá todo mundo ali, se olha, sabe? Tem uma cumplicidade, tipo assim, cara, um fortalece o outro, sabe? Uma coisa, tipo assim vambora! Vamos aumentar isso aqui cada vez mais e sair desse buraco, entendeu? Foi lindo na manifestação, assim, cara, fotos das pessoas, os desaparecidos da ditadura, sabe? E aí, naquele mesmo lugar, no Centro do Rio, sabe? Gente, é muito forte isso, cara. Aí, você vê o Chico Buarque, tá lá, sabe? Gente, isso é lindo e forte e dá esperança mesmo, sabe? Porque assim, e realmente, por isso que eu comecei a zoar mesmo e fazer propaganda de xampu zuando, Geno Clin, não tá bom pra você, mas tá bom pra mim, porque assim, gente, pra quê? E tem voz e não fala, tipo, sabe? Então, eu tive muita esperança na manifestação e eu vi, algumas pessoas vieram falar comigo, Samantha, cara, mas você me deu uma coragem, eu tô aqui porque você me inspirou, sabe? Então, assim, que você inspire uma pessoa, eu acho válido, sabe?

4. Hoje, nesse cenário político, como a Samantha vê o horizonte? A gente tem Bolsonaro, a gente tem uma polarização começando a surgir, daqui a pouco é ano de eleição, Bolsonaro está aí ainda, pensamos que ia cair mas não caiu, CPI está rolando e não tem muita coisa acontecendo, pra onde é que a gente vai Samantha?

Samantha Schmütz: Eu realmente não sei. Então, eu tenho um desejo de que a gente saia deste lugar, que a gente tá. Porque… mas eu tenho medo, eu não sei. Eu vou fazer a minha parte, assim como já venho fazendo para tentar ajudar. Agora é muito triste mesmo ver quem hoje ainda não se arrepende e quem ainda, tipo assim, tá achando que tá ok e não tá fazendo nada pra isso, entendeu? Então, assim, eu, eu, realmente, não sei e tenho medo da gente não sair desse buraco, mas tenho esperança.

5. O que aconteceu com a arte no governo Bolsonaro?

Samantha Schmütz: Eu acho que tá sendo massacradíssima, né? Tudo que construiu, tá tentando, assim, tipo, desconstruir, acaba com ANCINE, dificulta tudo, tira todo o dinheiro da cultura do Rio. Então, assim, e eu acho que além disso tudo, na própria classe, eu vejo que muita gente, usurpa da arte para fazer coisas periféricas, sabe? Porque assim, por exemplo, eu não tenho, pra mim é uma conta que não fecha um artista que faz cinema, faz teatro, usa das leis, né? De forma honestíssima e como está aí para ser usada mesmo, de fomento à cultura. Essa pessoa faz cinema, faz teatro e vota em um governo, que desmonta isso, não entendo! então não tem como depois você querer fazer filme. Porque? Porque tem muita gente se usando, se passando por artista pra fazer tudo que há em volta, pra fazer a palestra, para aprender o chá que desincha, pra fazer publi, pra fazer tudo, mas menos o que na hora de fazer arte não estavam fazendo. E aí massacra todo mundo, sabe? Fica um monte de gente, artista bom, que não tem essa força toda aqui, porque também não ganha essa eleição da mídia para crescer, entendeu? Fica na mão de poucos esmagando os outros e esses que estão aí, que poderiam está fazendo, falando, usando a voz, tão quietos, porque, sei lá, não querem, querem ser neutros nesse momento. Então, assim, eu vejo que tem muita gente que tá usando da arte para fazer coisas periféricas e eu fico triste assim, eu acho maior sacanagem.

E não tá rolando, né? Uma reação da imprensa da classe artística de uma forma mais massiva nem nada, não está rolando uma reação disso tudo né?

Samantha Schmütz: Cara, tem muita gente que fala, que tá junto, sabe? Que apoia, mas que talvez não tenha tantos números, entendeu? Nem eu tenho tantos números, tenho dois milhões e setecentos mil seguidores, perto de quem tem mais de dez milhões, entendeu? Não é muito, mas eu já consegui fazer um barulhinho, entendeu? E essas pessoas também que de repente estão gritando, porque assim, muita gente fala assim, ai, só agora começou a gritar, eu falei, não, meu amor, já estava gritando, você que não estava ouvindo. Não é que eu tô gritando agora, eu estava gritando já, ah, desesperada! já há um tempo! è você que não estava ouvindo e eu vejo que muitas pessoas da classe sabem, vai, Samantha! Que bom! isso aí! Vambora! vamos falar cada vez mais, vamos! , não é briga entre um A e B, entendeu ? Eu acho, né, gente? Até porque esse é um governo que não tá a favor da gente, dos artistas. Então, assim, não tem como ser artista, são duas coisas que não tem como.

6. No outro dia, quando tiraram a sua conta do Instagram do ar e etc, lembro que depois voltou, eu me lembro que você falou, tipo assim, eu não vou me calar, a gente não pode se calar, não vão me calar. E de que forma a Samantha vai continuar falando? É com a arte que está massacrada mas vão continuar lutando? E nas mídias que tiver, e na manifestação? Onde é que a Samantha vai continuar usando a sua voz?

Samantha Schmütz: Sim, eu vou continuar, na verdade, fazendo o que eu sempre fiz, entendeu? Isso do Paulo e da situação do Brasil, da Covid, 500 mil mortos, isso potencializou muito, mas eu não tenho uma mudança, sabe? Tem só uma coerência com tudo que eu já vinha fazendo, sempre.

E qual é a mensagem principal hoje, Samantha? Pra quem não se cala?

Samantha Schmütz: Ah, que não tenha medo, porque se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Inclusive, eu regravei essa música com o Nação Zumbi, a gente regravou essa música homem com H, porque a gente tá nessa situação, eu sinto assim, né? Eu até fiz uma metáfora, de que parece que a gente tá em um avião caindo, onde os passageiros estão tirando fotos por se sentirem pelo direito de permanecerem com os seus cintos afivelados. E tipo assim, não vou lá falar com o piloto, porque eu tenho esse direito de ficar com o cinto, eu não vou tirar meu cinto! Sinto muito!

7. Você se considera negra?

Samantha Schmütz: Então, eu me considero preta, né? Porque, assim, meus pais não são negros. Então, é uma… eu na minha certidão de nascimento, eu sou branca, mas aí eu fui fazer um BO, sou parda. Ih, eu não sei, eu não sei, eu já sofri muitas coisas assim, ah, cabelo ruim! mulatinha!, já fui muito tratada pejorativamente, entendeu? Por causa do meu tom de pele, mas eu não sei dizer.

Mas vocês se entendem como uma mulher preta?

Samantha Schmütz: Eu me entendo uma mulher preta, mas não eu não posso dizer que eu sou negra por causa da minha origem. Assim, né? De pai e mãe. Então, eu fico no não lugar. Eu fico num lugar, que eu não sei. Meu pai é descendente de espanhol e árabe e minha mãe é do Sul.

Nascemos como uma revista e uma página nas redes. Alcançamos hoje mais de dois milhões de pessoas por mês com revista, site, redes sociais, youtube e rádio. Falamos com brasileiros no mundo todo. Seu apoio é que faz tudo isso acontecer!

somos a primeira voz
que você ouve pela manhã.
a última com você na cama.

Siga a CT