Entre e Ouça

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Ilustração: Edna Lopes

Andando pela vida, eu aprendi uma lição que tem me ajudado, e me salva em momentos que a solidão beira o desespero de não ter alguém que te entenda.

Você precisa construir dentro de você uma sala. Uma sala onde você possa se abrigar nos momentos de solidão.

As pessoas não estão com você. Elas estão em volta, estão bebendo junto, estão tendo bons tempos com você. Se você é uma pessoa pública, sabe que as pessoas estão lendo você, consumindo você, comprando suas coisas, mas elas não estão calçando os seus sapatos.

As pessoas confundem milhares de likes com suporte afetivo. Like não é afeto. Milhares de likes, de elogios ao que você faz, aos lugares que visita, ao seu corpo, suas roupas, nada disso preenche o espaço interno, que na madrugada, ou pela manhã, você sente.

Então faça uma caminhada pra dentro. Faz uma sala, dentro de você, pensa naquele sofá bacana, naquela cortina. Decora essa sala como você gostaria que ela fosse. Eu tenho uma sala dentro de mim, igual a sala da capa de Entre e Ouça, disco de Ed Motta, de 1991, numa capa desenhada por Edna Lopes.

Quando me sinto absolutamente desalentado no mundo, eu vou praquele lugar. Tem um toca-discos, uma janela, a chuva lá fora. Eu fico ali, celebrando aquela memória, percebendo que estar sozinho não é uma maldição, mas um momento de me refazer. Então você começa a escolher melhor a quem você vai dar acesso a sua privacidade, a você mesmo. Às vezes a gente deixa qualquer um entrar, porque tá se sentindo com dor, de tanta solidão. E essa pessoa não quer você, ela quer a imagem que ela tem de você. Ela quer consumir coisas tuas. Mas não você, teus problemas, tuas dores.

Estamos caminhando sozinhos, cercados de pessoas, eventos, aplausos, convites, famosos, likes, amigos. Aceite que você veio sozinho, e vai sair daqui sozinho, e faça as pazes com esse fato.

Você se livra de expectativas, até mesmo de pessoas. Eu sempre penso na Rita Lee. Rita Lee arrastou multidões, por décadas, em shows musicais maravilhosos. Hoje, está num sítio, ao lado de árvores e os bichinho. Ela caminhou pra dentro, ela entendeu.

Caminhando pela vida, entendi isso.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

somos a primeira voz
que você ouve pela manhã.
a última com você na cama.

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