Dura no mercado

Leitura: 5 min

Tomei dura no mercado, e na bolsa eu tinha um Strong Bucetão.

Primeiro, foca: eu fui num supermercado em Lisboa, e o segurança, além de me seguir, me chamou na porta do mercado, quando eu já tava na porta, e quem já passou por isso sabe,

A CENA CLÁSSICA.

-Ô. ô, amigo. Para aí, por favor.

O segurança veio, apontando pra minha bolsa. Eu tinha ACABADO DE PASSAR PELO CAIXA, mas o cara, mesmo assim, veio com a mão na minha bolsa.

Mandou eu abrir, porque,

veja bem, não que o senhor tenha feito algo, mas, entretanto, veja bem, me mostra a nota fiscal, pra eu conferir.

Eu até coloquei um tênis, gente. Usei roupa combinando, um boné maneiro da New Era. Tranquilão, ouvindo Racionais. Comprei duas carne de hamburguer, pão e banana.

Meio dia em Lisboa. Sexta feira. Quem vai no Continente da Marquês de Pombal, ao meio dia, pra roubar banana, pão e dois hamburguer?

Mas eu já fui parado por segurança, aos 13 anos, no Carrefour. O famoso Carrefour do Norte Shopping. Eu era muleke, me levaram pra uma escadinha, abriram minha mochila, minha bolsa, botaram a mão na minha calça. Eu com roupa de escola.

Já fui parado na saída da C&A da Tijuca. Já fui parado no Sendas do Méier. No Pão de Açúcar do Leblon. É A VIDA NÉ.

Casas Bahia do mesmíssimo Norte Shopping, também.

E no Outback Brasil da Barra. Mas o Outback tava certo. Eu tava roubando garfo e faca direto lá. Ia com uma amiga, que pagava a batata pra mim, quando a batata custava 20 merréis, e eu robava as faca, garfo, até vidrinho de pimenta. Se hoje a pimenta do Outback vem em saquinho, agradeça a mim. Eu roubei tanto vidrinho, que eles mudaram toda a logística.

Não fode, caralho. Não tinha uns talher.

Mas fora isso, e fora o biscoito recheado que eu robei nas Lojas Americanas do Méier, que depois virou Bingo, nunca roubei nada.

Não tinha como sair das Casas Bahia com uma TV de Plasma enfiada no meu cu. Até queria, se coubesse, roubava um sofá de três lugares no cu.

Mas vocês sabem. Em Portugal, aquela coisa. Brasileiro muito tranquilo, aquela coisa. E eles nem fazem ideia o quanto de passado eu carrego. O maluco veio falar comigo, eu, super de boa, disse:

-amigo. Se eu abrir essa bolsa, eu vou acionar o mercado. -não, veja só, ninguém está acusando o senhor de nada. -então, meu irmão, se ninguém está acusando ninguém, e neste ponto sou até capaz de concordar com você, eu posso passar por essa porta aqui, certo? -não, não sem antes eu conferir suas compras. -Amado. Eu acabei de sair do caixa. Eu te disse. Eu vou mostrar. Mas se aqui dentro tiver uma nota fiscal, e os produtos batendo, eu vou processar o mercado. Pega.

-Não, mas este é o meu trabalho -E meu trabalho é te deixar ciente do meu trabalho. Eu não sou ladrão. Eu sou um jornalista. Eu não vim pra cá pra roubar ninguém. Aliás, quando se fala de roubar, o seu povo…

-Ok, vai, segue sua vida.

Eu, pucto, fui embora. Na rua, tive vontade de sentar na calçada e pensar na merda que é este lugar, esse mundo, essa porra toda. Cambada de filha da puta.

Mas, e é aqui que eu queria apresentar um novo tijolo nesse belo palácio narrativo,

seria pior se eu abrisse a bolsa.

E isso aumenta e incrementa nosso filme.

Anderson, diabético, um pouco acima do peso, com algumas sequelas da doença, entre elas, uma disfunção erétil, foi a uma SEXSHOP na manhã de sexta feira,

depois de muito pensar no conselho de sua terapeuta, que recomendou comprar um brinquedo sexual, para brincar com o outro brinquedo.

Bem. É aquilo. 46 anos, terapia, pensando em gênero, prazer, doença, câncer na próstata – que até agora não confirmou – perdi medo de médico há muitos anos, e mergulhei no tratamento, porque quero viver os dias que me restam, com alguma qualidade.

Tratar o pau é um desafio pros homens, mas não deveria. Eu passei a me tratar, com remédio, dieta, exercícios que já fazia, mas ainda preciso ir mais fundo no bagulho. Recuperar a sensibilidade peniana. E não tem essa de transar com esposa, amigas, fazer suruba. É usar brinquedos, cremes estimulantes, ler sobre isso. Tocar punheta.

Aquela coisa, né, varão. O cara ainda foi criado na igreja. Nunca tinha entrado numa sexshop, ATÉ O DIA DE HOJE. Pá. Respirei, ganhei coragem, e uma tristeza, sabe. Mas é a vida, amigo. A gente precisa só se cuidar.

Tinha visto no site vários brinquedos. E tinha um chamado Stronger X92J Realistic. Bagulho com pilha, vibra, canta, diz que te ama. Eu apelidei de

STRONGER BUCETÃO. Minha nova amiga.

Fala sério, lá na loja tinham dezenas de brinquedos femininos, e as mulher lá, comprando, conversando. Tenho direito.

Então eu ganhei coragem pra comprar meu primeiro brinquedo sexual, o STRONGER BUCETÃO X92J.

VEJA BEM.

Stronger Bucetão X 92 J. Porque tinha um Stronger Bucetão X 92. O J já é uma evolução. E antes, o Stronger Bucetão X 92. Que por sua vez era uma evolução do X. E TODO MUNDO SABE QUE UMA COISA COM X NO NOME JÁ É BRABO.

Que, em algum momento da história dos brinquedos sexuais, havia só o Stronger Bucetão. E que antes, no tempo do Windows 95, ele se chamava apenas Bucetão.

O Stronger X já vibrava em sete velocidades. O X92 já discorria sobre as 3 ondas do feminismo. E o X92J já escreve coluna na Piauí.

Fala sério. Dá pra gozar e trocar uma ideia altamente deliciosa sobre literatura polonesa. Eu já ia apelidar meu Stronger Bucetão de Tina Fey. Eu sou apaixonado por aquela mulher. Ela escreveu 30 Rock, e uma porrada de filme foda.

Enfim, eu comprei o Stronger Bucetão X92J, e fui no mercado. Pensei:

-vou levar um hamburguer pra comer depois da punheta de mais tarde.

Botei o pacote, discreto, dentro da bolsa do mercado e fui, com as compras. Vida que segue.

Aí o segurança me acusou de Elza.

Se eu abrisse a bolsa, ele ia ver o Bucetão. E eu ia obrigar ele a usar. Eu ia baixar a braguilha da calça dele, e ele ia deitar no chão, homem mais pra nada. Não brinca com Bucetão, que Bucetão te derruba.

A notícia no jornal ia fazer o homem se sentir humilhado e ele não ia mais trabalhar.

Vai se fuder, porra. Vai tocar punheta. Eu não roubo mercado não. Eu faço pior. Eu me vingo. Eu escrevo crônicas.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

somos a primeira voz
que você ouve pela manhã.
a última com você na cama.

Siga a CT